quinta-feira, 31 de maio de 2007

Bond, grande bond


Toronto, Maio de 2007

Foi como se cada minuto perdido fosse um desperdício demasiado valioso. Foi por isso que aproveitaram todos, os minutos e até os segundos, porque mesmo antes da despedida já ambos sabiam que tudo iria saber a pouco, demasiado pouco, ou ao nada que os gelou no momento do adeus. Há relações assim, inexplicáveis, assentes num “bond” que se vive mas não compreende; ele existe, está lá, numa palavra inesperada que é a razão ou num silêncio surdo que diz muito; num sorriso genuíno que é toda a felicidade ou num olhar profundo que serena uma vida. Bond, grande bond.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

O "fintabolista"

Machava, Maputo, Maio de 2006

O velho parece a parede, triste, negro e parado. Não larga a posição, pernas eternamente cruzadas, pregado perante os deuses que lhe passam à frente. Deve achar que são mesmo deuses, porque não ousa sequer olhá-los nos olhos apesar de os ter ali mesmo, a dois ou três metros. Ao contrário de outros, não delira e todo ele é devoção e silêncio, a forma mais nobre de admiração. Os anos atravessaram-lhe o corpo e deve estar agora a realizar um sonho de mufana, quando era apenas um fintabolista e repetia no pó da terra o que o vizinho da Mafalala andava a fazer pelo Mundo. Mas todo ele é devoção, silêncio, a forma mais nobre de admiração.

Ninguém pode imaginar a pequenez da minha cidadezinha. Lá, porém, há gente que me dá os bons dias (in Mia Couto, Contos do Nascer da Terra)