quinta-feira, 28 de junho de 2007

O Chapéu

A face fazia-se de traços finos e sérios, magros, serenos, desenhados debaixo de um chapéu preto de feltro jamais ausente. Nunca subia muito a testa, estava sempre cuidadosamente arrumado e um nada inclinado à frente e à esquerda, cerimonioso, nunca excêntrico, elegante, derradeiro toque de dignidade numa pessoa que já era tudo isso. A dignidade tem-se todos os dias e, assim, havia sempre chapéu, o que acompanhava o fato escuro e o sapato preto, do domingo, e o outro da semana de trabalho, para a camisa e a bota escura. Era o da missa das 10:00 e o dos dias em que o cereal lhe escorregava entre os dedos, felicidade aos pombos esquecidos de voar, empoleirados pelos ombros e braços. Dignidade… dizem que foi sempre assim naqueles 90 anos, vistos por uns, contados para outros, e agora, depois de ter vivido de tudo na vida, Zé Pedro também já vive na morte e ninguém lhe consegue imaginar o chapéu inclinado fora da cabeça, enquanto pega no pião esculpido à navalha e o faz girar na palma da mão, como se lhe desse existência. Obrigado por me deixares aqui à roda.