quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Vista para o tecto

Todo o tempo do mundo, o infinito a olhar um tecto primeiro opaco mas, bem visto, um desfilar imenso de projectos, desejos, ambições. Só assim se pode combater o relógio calão cravado na parede, a converter os sonhos em alimento da própria existência, a fazê-los desfilar como se acelerassem a cura ou o resgate desta prisão.
A noite cai. A luz que sobra de Lisboa atravessa as grades da janela e desenha-as na parede do outro lado. A jaula está agora completa, mais fechada. Nesta hora escura e de solidão, só mesmo o que surge no tecto permite a chegada tranquila do sono, até adormecer e percorrer o caminho mais curto até à manhã.
Oxalá dormisse mais. Ao início do dia, num quarto de hospital, já não há nada para fazer. António conta as histórias de como carregou ferro e cimento, ergueu prédios e os filhos; Alfredo fala pouco e gasta as energias a telefonar a alguém; e Alcino não abre a boca, apenas desce a mão pesada e lenta entre a testa e a face, como se aquilo fosse uma forma de suspiro. Não pára de suspirar todo o dia.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Tempo

Não lhe sai da cabeça. Não consegue uma trégua do pensamento invasor, não esquece os minutos horas dias, a existência sempre em função desse maior dos opressores, o tempo, castrador afiado dos sonhos marcados para a vida.
Olha os planos, do passado, e tudo se lhe oferece em frustração, porque o que vê é apenas espaço onde já não toca, onde mais nada se realiza; e é isso que lhe dói, não lhe sai da cabeça, no momento em que rola pela estrada vazia, e as luzes furam a noite fechada, e os quilómetros passam como o… tempo, como algo que nunca mais poderá viajar.
Conduz atropelado pelo sentimento, o de não estar à altura para se guiar no mundo à sua frente; sente que falhou e vasculha desesperadamente memórias, busca concretizações, vitórias que combatam a desilusão gritada no interior. E insiste até encontrar um motivo de orgulho, ou uma amizade, ou mais… até voltar a sorrir ao tempo, sentir que o controla, que o pode parar... assim como estaciona no local de destino.

Chegou ali para celebrar 2007, ergue-lhe o copo de frente e coloca-o onde deve - fora da cabeça.